quinta-feira, 11 de janeiro de 2018

Imprensa paraibana reforça estereótipo de mulher-objeto

Por Elara Leite e Mabel Dias* 

Há um lugar-comum na mídia e na publicidade, em todos os países do mundo, que classifica a mulher como objeto, seja para vender produtos apelando para a sensualidade, seja pelo reforço da beleza em detrimento da competência profissional.  

Diversos sites paraibanos vêm reforçando esse estereótipo divulgando matérias sobre artistas nacionais, em particular mulheres, como Sabrina Sato, por exemplo. As notícias, geralmente, são replicadas de outros sites ou blogs nacionais que expõem as mulheres como meros objetos sexuais.  

Entre estes sites está o FATOSPB, que afirma em uma de suas publicações do dia 15 de dezembro de 2017, que fez uma parceria com o site Spcicy Fire, para divulgar fotos de mulheres em “poses sensuais”. Em uma parte do site encontra-se o menu “Garotas de Fatos”. Na estreia deste quadro no site paraibano está a ex-BBB Amanda. Em outros sites paraibanos, outras matérias trazem os seguintes títulos: “Atriz global arranca suspiros ao postar foto só de calcinha na web. Confira”; “Monique Evans faz topless e exibe bumbum aos 61 anos”; “De topless, Sabrina Sato promete para 2018 "ser menos exibida"”. 

No Portal T5, no dia 27 de dezembro de 2017, foi publicada a matéria “Sex shop faz versão adulta do viral Panificadora Alfa e bomba na web. AssistaO preocupante é o comercial que deu origem ao da sex shop, que traz duas crianças divulgando os serviços da padaria. Uma delas pergunta a um boneco animado de papai noel: “qual o pão que o senhor mais gosta na padaria?” e ele responde: “o cacetinho”.  

Seja na política, no esporte ou na própria imprensa, as mulheres não são valorizadas por suas profissões ou habilidades, como cantoras, jornalistas ou atrizes, mas apenas pelo seu corpo, o que estimula e mostra o machismo vigente na sociedade brasileira. No período das Olimpíadas, em 2016, por exemplo, a imprensa brasileira falava em “musas”, e não mostrava o desempenho e capacidade das mulheres nos esportes que desenvolviam. As mulheres que atuam com artes, como as atrizes, são ainda mais expostas como objeto sexual pela imprensa e publicidade. 

Conforme o Guia Mídia e Direitos Humanos, elaborado pelo Coletivo Intervozes,  “a exploração da imagem da mulher como objeto sexualizado, além de desviar o foco do assunto principal da pauta, ainda corrobora com o discurso machista de que a existência da mulher é regida pelo objetivo de ser alvo do desejo sexual masculino. Divulgar notícias que evidenciam apenas os atributos físicos e/ou a vestimenta é violar o princípio da autonomia da mulher sobre seu corpo, reduzir seu papel social e constitui violência simbólica.” 

Em 2012, durante a instauração da comissão parlamentar mista de inquérito criada para investigar a ligação de parlamentares do Distrito Federal com o bicheiro Carlinhos Cachoeira, a assessora parlamentar Denise Rocha e a esposa do bicheiro, Andressa Mendonça, participaram de várias matérias e receberam o título de “musas da CPI”. Alguns sites jornalísticos chegaram até a produzir enquetes para eleger a mais bonita. 

Em que estas notícias acrescentam para a autonomia das mulheres? Com todo o avanço e conquistas alcançadas pelo movimento feminista ao longo dos anos, a mídia continua a reproduzir estereótipos em relação ao gênero feminino. Os exemplos mostrados reforçam a prática da violência contra a mulher, em particular, a violência simbólica. 

De acordo com pesquisa realizada em 2013 pelo Data Popular e pelo Instituto Patrícia Galvão, 84% da população considera que o corpo da mulher é usado para promover a venda de produtos. Para 58%, as propagandas de TV mostram a mulher como um objeto sexual, reduzida a bunda e peito. Essa abordagem que reforça o estereótipo da mulher-objeto se estende desde a publicidade ao chamado jornalismo de celebridades ou de entretenimento.  

O Código Brasileiro de Autorregulação Publicitária, em seus artigos 19 e 20, afirma que "toda atividade publicitária deve caracterizar-se pelo respeito à dignidade da pessoa humana" e que "nenhum anúncio deve favorecer ou estimular qualquer espécie de ofensa ou discriminação racial, social, política, religiosa ou de nacionalidade".  

Além da objetificação da mulher, o jornalismo, a publicidade e, por que não dizer? -, as novelas brasileiras, também praticam discriminação racial e social, priorizando mulheres brancas, de classe alta, magras e jovens na divulgação de matérias de entretenimento, como garotas propaganda ou como protagonistas. Cerca de 80% da população brasileira considera que as propagandas de TV mostram mais mulheres brancas, 51% gostariam de ver mais mulheres negras.  

Na mesma pesquisa, 73% da população acredita que as propagandas na TV mostram mais mulheres de classe alta e 64% gostaria de ver mulheres de classes populares nas publicidades. 87% dos brasileiros assistem mais mulheres magras nas propagandas na TV, enquanto 43% gostariam de ver mais mulheres gordas. Em relação à idade, 78% veem mais mulheres jovens e 55% gostariam de ver mais mulheres maduras nas publicidades televisivas. 

Em 2011, organizações do movimento feminista e de mulheres redigiram o documento “Carta aberta pra um novo marco regulatório para as comunicações no Brasil”, e destacaram a necessária e urgente aprovação de uma nova lei para reger o setor no Brasil. A mídia paraibana, com tais notícias, vem violando a dignidade e os direitos das mulheres. Além da carta, existem instrumentos como o Manual do Jornalismo Humanizado, do Coletivo Think Olga, o de combate a linguagem sexista, do Governo do Rio Grande do Sul, e o Guia Mídia e Direitos Humanos, do Intervozes, que podem ser úteis na hora de redigir matérias que tratem a mulher como ela merece: com respeito e dignidade. 

*Mabel Dias e Elara Leite são jornalistas, integrantes do Coletivo Intervozes e do Sindicato dos Jornalistas do Estado da Paraíba, respectivamente, e do Fórum Interinstitucional pelo Direito à Comunicação (FINDAC)